O recurso especial
02/08/2008 às 8h02min | Paulo Gustavo | crônicas e poesias
Texto literário de ficção acerca do cotidiano jurídico.
Por Fábio de Oliveira Ribeiro, advogado em Osasco (SP).
Estava às voltas com uma dúvida cruel quando a campainha tocou.
– Orra, meu, hoje é dia…
Salvou os embargos, minimizou o Winword e foi abrir a porta com aquele sorriso fabricado.
– Pois não?
– Pô, Fernanda, cê já não conhece mais as amigas?
– Janete? Você aqui? Entre, entre, quanto tempo!… Orra meu, que bom te ver. Você chegou na hora certa. Já estava me descabelando.
– Qual a crise?
A advogada sentou-se, maximizou o Winword, rolou o cursor até o início do documento, levantou-se e apontou a cadeira para a colega.
– A crise é de competência. Acabei de fazer estes embargos de declaração e não sei para qual juiz devo endereçar.
– Pô, Fernanda… Cê não lembra mais das aulas do professor de Prática Civil, do Edgard Boca de Cantor?
– Porra meu… Se lembrasse, não estaria em crise.
– Juiz “ad quem” a quem o recurso vai, Juiz “a quo” de onde ele vem.
– Então? Vai ou vem?
– Vai, então é “ad quem”.
– Orra meu… É verdade. Acho que estou ficando velha.
Fechou o documento, encerrou o Winword e concluiu que seria melhor pesquisar a resposta depois. “Ad quem” vai, “a quo” vem… Não sei, não. Aquele Edgard era um calhorda, se tivesse ensinado mais e cantado menos eu não teria problemas na atualidade.
– Pô, Fernanda. Quanto tempo… Cê lembra da música das cláusulas suspensiva e resolutiva?
– Não…
– “O cravo contratou a rosa. Pôs duas cláusulas para complicar. Uma para no futuro obrigá-la e outra para depois se desobrigar.” O Edgard era o máximo.
– Era… Orra meu, o que você está fazendo aqui? Pensei que estivesse trabalhando em Brasília.
– E estou. Mas é que vim usar um recurso especial aqui no Fórum. A propósito, vamos até lá? Preciso de sua ajuda.
– No seu carro ou no meu?
– Você vai no seu e eu no meu.
– Orra meu… A gente pode economizar…
– Na volta eu te explico.
E lá se foram as duas colegas de turma. Ao chegarem, Fernanda colocou seu carro no estacionamento. A outra entrou no estacionamento do Fórum e deixou o carro na vaga privativa do Juiz da 777ª Vara Cível.
– Orra meu…
– Fique aqui, volto já.
Alguns minutos depois, apressada, Janete pegou Fernanda pelo braço.
– Vamos, vamos… Preciso de uma carona. Você me deixa num ponto de táxi.
– E o seu carro?
– Deixei as chaves dele com o juiz.
– Orra meu… Por quê?
– Cê não entendeu ainda. O carro era o recurso especial de que havia falado.
– Orra meu… Este recurso o Edgard Boca de Cantor não nos ensinou a usar.